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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

* Chama *

 Eu


Bem aqui 


Nu 


Bem aqui 


Em meio as cobertas 


Contraído 


Quase sonâmbulo 


Tomando o último gole do que me sobrara


Na ânsia vertiginosa do querer 


Barganhando entre existência e prazer 


Os dias se repetem 


As noites avançam  


E sob os dias, as sombras vagueiam ocupando espaços vazios 


Horas são horas 


Pessoa são pessoas 


E da caixa miraculosa da vida, nada de novo 


Ajusta-se o tamanho da caixa até que fique bem miúda 


Até que ela caiba no bolso 


E aí sim, mais uma vez 


Nada de novo 


Do querer forjam-se os grilhões 


Enormes e pesados 


As vezes até me orgulho deles  


As vezes até como medalha os exibo


Mas, as vezes… 


Bem as vezes...Bate cá um oco


E do fundo dos pulmões até os dentes ,ecoa um grito de discórdia,  que faz bater os dentes, que faz trincar os dentes


E no fervor todo o corpo pulsa em revolta  


Olho-me no espelho em pedaços 


Um conjuntos de cacos 


Olho-me em cada gesto que se perde, e cor ,e som ,e o fogo que dança em cima da vela, que queima 


A vida não é o que disseram que era


E para que não passe de ilusão 


Até o derradeiro suspiro 


Há de olhar-se sem remorso  


Deixar-se para que siga 


Entregar-se por inteiro 


E como toda chama que se preze 


Se fará esta consumida


20/07/2020

* Antropofágica *

 


Corpos nas sacadas 

Vestes nas calçadas


Os passos trocados 

E os labirintos famintos do ser 

Anseiam libertinagens 

Inquietos amantes 

Bebericando taças de vivido sangue 

A lua entoa uma marcha fúnebre 

Enquanto tremeluzentes pontos palpitam 

A poética noturna


A hora, há muito esquecida, 

Sugere ao agora um rito antropofágico


As gotas , em sal , a escorrer


A embriaguez 

Os instintos da pele não fazem morada 

No solo da razão 

Os instintos da pele não fazem morada 

No solo da razão 

Os instintos da pele não fazem morada 

No solo da razão 

Tua pele perdoa a minha no momento em 

Que sinto o toque de nossas almas 

Matilha de lobos dançando ao centro da mata 

O uivo da besta convida-nos a um último ato 

E tu te agarras e eu me agarro ao chamado 

Ao salto por cima dos silenciosos lares


Costuramos , em delírio e ao nosso modo, a tela sombria do sono


A cobrir os nossos corpos,  os nossos corpos.


30/03/2020

*Ode a Boêmia *


ruas são como selvas 

um mar de concreto 

um gole de caos 

tragadas são suspiros 

como respirar após um mergulho 

bocas, um gosto rubro ,fugaz

por favor, não me deixe parar 

por favor, a noite não pode acabar 

busco um pouco de paz


dentes são como facas 

suas presas, minhas presas 

amolam a alma , retalham sigilos

torpores e a calma 

por favor, não me deixe parar 

por favor, a noite não pode acabar 

a brisa e as luzes 

exalam um cheiro de aurora 

do tempo que já desfaz da hora 

momentos findos da vida 

perpetuam-se em artérias compridas 

embalos orgiásticos do ser 

e nos becos e vielas adentro 

jazem mortos os lamentos


e se depois de tudo isso 

perdurar o pranto cinzento dos dias 

agarras bem a mão da noite 

faz de tua prece o coração em açoite

esquece então os ponteiros 

segue só ,em romaria 

de tento em tento 

tua bussola é o vento 

e amanhã já se faz dia


26/12/2019

* Negra proletária *

  Giz de ébano negro e suor desfilando 

Num sábado astral 


Crespos cabelos, mantas, vestidos e seios ... 


Roda em silhuetas suas curvas e marcas da vida no seu visual 


Porta flores, artes e cheiros na feira da Várzea solar


Herança mutante sentida d'um povo retinto num gene ancestral

 

Avante distópico mundo, seu sorriso a vingar.  


16/03/2019