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quarta-feira, 8 de maio de 2013

*O mistério aparente na busca pela essência da vida*


Existem fatos que constantemente passam aos nossos olhos quase que de maneira despercebida no desdobrar-se eterno do "corre-corre" cotidiano. Comportamentos que já estão tão entranhados em nossas rotinas e que, por conta disso, não geram praticamente qualquer forma de reflexão, simplesmente os incorporamos como hábitos. E se tem um destes comportamentos que deveria nos intrigar é a habilidade, praticamente inesgotável, que a nossa espécie tem em prover sentido para tudo que há aqui e no universo. Apesar de sermos seres limitados em termos físicos, possuímos uma capacidade imaginativa tão fantástica que podemos equipará-la à complexidade que avistamos na natureza e em todos os seus fenômenos que nos cercam. À curta vista, não é problema o fato de que criamos significados para o todo que se mostra a nós de forma perceptível, ou pelo menos não na maioria das vezes. Afinal, é através da criação de significados que o homo sapiens se reinventa continuamente e constrói os principais alicerces para sua existência. Lembrando que um deles é nada mais nada menos que a própria cultura, que é fundamental para todos os processos nos quais nós, seres humanos, nos inserimos.

Mas... e então? Será que este processo criativo ao qual sempre recorremos deve ser unilateral? Será que estes sentidos que atribuímos às coisas realmente fazem parte de uma realidade absoluta? Ou há de acreditar-se que tudo pode ser relativizado e que os significados que associamos aos objetos apreendidos não passam de uma maneira dentre muitas outras formas as quais o seres humanos se adequam em sua realidade ?

Nós tomamos as coisas como absolutas, imutáveis, esquecendo-nos de que isso que existe é suscetível a corrupção temporal e por consequência também a todos os tipos de mudanças, desta forma, as coisas podem vim a ter significados diferentes.  Mas por quê?

Entre filósofos como Parmênides e Platão havia uma espécie de consenso, a respeito da realidade: não havia, segundo os nossos sentidos, algo em que neste mundo se pudesse confiar com exatidão. Ora, se nós observássemos aqui da Terra a circunferência do Sol, poderíamos imaginar erroneamente que este astro não fosse tão grande em extensão como entende-se atualmente. Baseando-se então que a ação de criar significados é subordinada a percepção de nossos sentidos, surge uma pergunta de imediato:diante de toda essa problemática presente, não seria a busca por uma essência das coisas algo perfeitamente inútil?

Pensando a partir de um amplo ponto de vista filosófico ou científico, e de acordo com minha opinião, provavelmente a resposta seria um "não".

Após o surgimento dessas visões de realidade que abordamos há pouco, surgiram tantas outras que também objetivariam entender a realidade. Seja como algo absoluto ou até a partir de um ponto de vista extremamente cético. As visões variariam bastante com o tempo, ocorrendo diálogos entre filosofias distintas, como entre a metafísica, mais anterior, e o empirismo, ambas pertencentes a polos opostos .

Do seio da filosofia, surgiria também, aos poucos, algo que conhecemos como "ciência". Diferentemente do que vemos atualmente neste campo, o desenvolvimento inicial se daria por meio de especulações e não da experiência prática, que é utilizada como principal método científico. Os primeiros filósofos eram cosmólogos, questionavam-se a respeito da natureza e dos princípios que a regiam(arché),temos a exemplo: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Posteriormente surgiria a ciência atual, com sua metodologia empirista, afim de obter maior rigor científico com relação ao entendimento da natureza, mas, mesmo assim, estando também sujeita a falhas. 

David Hume, filósofo escocês que questionaria a verdade tão intransponível que atribuímos ao conhecimento científico, afirmava ainda assim que a menor verossimilhança que se podia obter com uma suposta verdade era através do empirismo, visto que este se baseava, a princípio, nas experiências. Desta forma, passando pela filosofia de Hume, uma experiência sensorial sempre era observada partindo de uma suposta relação de causa e efeito, fundamentados principalmente na experiência; e com essa experiência aderia-se à conclusão por meio do hábito temporal.

Podemos citar como exemplo o fenômeno natural da chuva, que ocorre por conta da evaporação da água em seu estado líquido. Fenômeno este que pode ser observado e entendido em laboratório, a partir da evaporação e resfriamento condicionados. Mesmo entendendo a causa desse fenômeno, nossa certeza só se solidificará no hábito, ou seja, na repetição de resultados equiparáveis em um certo número de experiências.

No entanto, como já foi dito, este conhecimento se dá de forma empírica. Não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do hábito e da expectativa. Espera-se inevitavelmente a evaporação da água, em determinada experiência, mas essa expectativa criada não tem fundamento na racionalidade em si, pois poderia ocorrer que essa água se transformasse em gelo. Hume afirma que o princípio da causa pode ser inteiramente explicado por uma ilusão psicológica, e não há nele o menor valor de verdade.

Ainda em meio a esses estudos que estariam por relativizar grande parte do nosso conhecimento, Sigmund Freud escreveria mais tarde que as concepções humanas haviam sido "feridas" três vezes, e que essas "feridas" atingiram nosso narcisismo, isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos.

Foram nomes importantíssimos e que marcaram para sempre a história da ciência. Cientistas que quebraram paradigmas. Copérnico, responsável pela derrocada da teoria geocêntrica, diria que a Terra não era o verdadeiro centro do universo, como dizia a igreja, mas apenas um dentre tantos planetas que orbitariam o sol num sistema solar. Darwin, que diria que o homem e outros seres vivos tinham uma espécie de parentesco, e, portanto, partilhariam uma árvore genealógica que ascendia em continua evolução, condicionada principalmente pelo processo de seleção natural. E o próprio Freud, com a descoberta do inconsciente, identificaria o principal elemento psicológico, até há pouco ignorado, que seria o principal responsável pelo nosso condicionamento comportamental.

Todos esses cientistas revolucionariam o nosso entendimento a respeito do mundo e de nós mesmos, retirando-nos do trono em que nós estávamos sentados há tanto tempo e nos colocando, por fim, como meros coadjuvantes em todo esse sistema a que pertencemos.

Vimos, cada vez mais, as diversas formas de conhecimento que revolucionaram e derrubaram seus próprios dogmas, acabando por nos deixar boquiabertos e com uma sensação de engano, devido ao conhecimento que levamos durante toda uma vida e acabamos por abandonar em parte.

Longe de um sentido unívoco da realidade, continuamos nossa caminhada a tentar entender talvez um suposto mistério que se esconde nas coisas. Uma essência inalcançável, num mundo onde talvez não haja nada de absoluto, mas apenas verdades temporárias que nos motivam nessa incessante busca por significados num sentido existencial aparente.

Concluo esta matéria com um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônomos de Fernando Pessoa, é poeta fortemente ligado a natureza e apresenta-se a seus leitores como um simples “guardador de rebanhos”.


O MISTÉRIO DAS COUSAS
(de “Guardador de Rebanhos” – Alberto Caeiro)

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.   



segunda-feira, 6 de maio de 2013

* Em teu sono *



Vejo em teu semblante
a mais casta de todas as purezas

Em teu corpo frágil perpétuo as sobras da madrugada
sujeitando-me a sutilezas

Arrasta minha alma em ânsia!




...pulsares de meu orgão numa inutil relutância...




Dispo-te em olhares...
Banho-te em mil flores...

Permanece teu ser inerte
dentre tantos cobertores



Tua carne pálida
Teus fartos cabelos
Teu cheiro infantil

Inundam-me as retinas
Meu estado é poeril



Imploro a ti que sejas breve
Que me cures da inveja
Que a Eros as preces leve
Pois teu sono é liberdade profunda
E a minha inquietude a consciência aleija.