Por
entre as zonas mais subterrâneas da terra vagava uma criatura de tão horrenda
aparência. Não era feito de barro, mas sim de lama, formada por detritos
orgânicos dos mais diversos. Seu odor era fétido como o de matéria em decomposição,
assim também se caracterizava todo o resto do pântano em que vagava. Imerso até
a cintura era como se estivesse fundido ao ambiente em que sobrevivia.
Que
espécie de criatura teria dado parto a um monstro de tão estranha aparência?
Andava
lentamente por entre as carcaças de seres aquáticos que boiavam sem vida aos
seus arredores. Avistava abismado os sapos que coaxavam mais longe, junto a
isso escutava o zunido dos mosquitos e o cantar das cigarras, era a fúnebre
sinfonia do pântano, o coro organizado da natureza que exacerbava vida diante
de um cenário sepulcral. Os gases oriundos da matéria sem vida pairavam no ar,
misturando-se a névoa, dando ao local uma atmosfera extremamente densa.
E
ele, o monstro, apenas seguia a correnteza do pântano que parecia não lhe levar
a lugar algum.
Debruçando-se
diante da paisagem o monstro recitava poesias para o nada, extraindo beleza
diante daquele cenário tão pouco propenso. Era como o poeta que distinguia o
perfume de uma flor no lixo.
Embalados
com a sinfonia do pântano, seus versos fluíam como as águas de um rio.
Dizia:
-
Quão belo é o sapo! Que faceiro se esconde dentro da lama e assim captura os
mosquitos que voam em trajetórias aparentemente aleatórias, mas que na verdade
buscam incessantemente por sangue. E os peixes! Que mortos flutuam junto ao meu
ser, servem de alimento para muitos outros seres. As plantas carnívoras! Que se
mostram inofensivas, mas a espreita aguardam também aqueles mesmos mosquitos
que saciarão sua fome. Os troncos retorcidos que um dia já fizeram parte de
imensas árvores intimidadoras, mas hoje são apenas sobras. Toda essa dinâmica
representando o fim de um ciclo, onde a natureza faz seu papel de selecionar
aqueles mais aptos num ambiente tão nocivo.
Continuava
a vagar a favor do fluxo sem qualquer bússola que lhe apontasse o norte, seguia
seu destino, que por ele era desconhecido.
Vagava...
Vagava...
Vagava
E
Já exausto se perguntava:
-De
onde venho?
Para
onde vou?
Serei
eu fadado a submeter-me sempre a essas questões que não levam a lugar algum? O
que fiz para merecer estar aqui nesse local tão inóspito?
Mais
adiante o monstro enxerga algo que talvez fosse o fim do lamacento pântano, um
campo repleto de grama com um lago ao fundo. Em passos curtos a criatura
assustadora caminha por entre os campos, e onde pisa deixa seu rastro de sujeira,
espalhando morte por onde quer que passe.
Até
que chega onde antes mirava. Agora, diante do imenso lago, sente um sentimento
de profunda curiosidade e prazer, pois nunca outrora vira algo tão belo em toda
sua tediosa existência. No lago caía uma cachoeira e voavam borboletas ao seu redor,
peixes nadavam alegremente enquanto exibiam suas escamas prateadas.
Ele
então olhou seu reflexo no lago, mas...
Não
havia muito o que ver, apenas a lama que compunha seu corpo.
O
monstro então se perguntou:
-O
que aconteceria a mim caso entrasse no lago?
Será
que este compartilharia sua beleza com uma criatura como eu?
Adentrando
as profundezas dessas águas poderia enfim descobrir quem sou e o que quero?
Pergunto-me,
se este lago é o fim do pântano, marcaria esse ponto o fim de minha trajetória?
Seduzido
pela dúvida o monstro do pântano primeiro se banha no lago, espalhando nele
toda a lama que lhe cobria, intoxicando os peixes.
Numa
imagem difusa o monstro se olha no reflexo das águas. Ele se vê como algo
curioso, diferente, dotado de diversos traços físicos distintos entre si. Não
há mais aquela couraça de detritos que o cobria. A nova criatura, agora não
mais monstro, assustado com sua nova forma se pergunta:
-Será
que isso há de ser a minha essência? Não sou eu o monstro que habitava as
regiões abissais daquelas terras sem vida?
Após
ter feito sua descoberta, decide então mergulhar no lago, para que só assim
pudesse saber o que mais essas águas o revelariam.
Mergulhou...
Com
todo ímpeto possível ele mergulhou...
E
quanto mais se aprofundava naquelas águas reparava que mais vida lhe cercava.
Havia peixes de todas as cores, algas, répteis, moluscos. Até que de repente
ainda submerso ele olha seu corpo e por conta disso lhe vem um ESTALO, ele
relembra...
Outrora,
em muitos momentos ele fora outra criatura, diferente do monstro, era dotada de
maior conhecimento. Fora humano, como os outros que conviveram junto a ele. Era
poeta, assim como ainda é hoje, poeta marginal, abissal, poeta banal!
Descobrira
que voltara ao princípio, porém, não queria mais ser homem, pois vira
semelhantes seus cometerem as mais diversas injustiças com outros de mesma
espécie. E mesmo diante de tudo aquilo se sentia inútil por não poder fazer
nada. A única coisa que mais sabia era que se perdia em suas poesias e em
algumas raras vezes que criticava a massa com que convivia, mas, nada fazia.
Supunha
então que fora punido a viver sobre aquelas condições, a ser monstro,
conformado com seu destino, que monstro então fosse.
Tentando
avistar a superfície, acabara de descobrir que novamente se perdera tudo estava
muito escuro devido a profundidade que atingira e, por conta disso, não tinha
mais qualquer senso de direção. Poderia ousadamente retornar a superfície e
enfim ao seu pântano, mas... NÃO! Ele decide por fim tentar ir mais fundo, a
fim de descobrir algo mais, além de suas expectativas.
Mais
fundo...
Fundo...
E
já próximo ao solo aquático ele começa a ser ameaçado por uma imensurável falta
de ar, bolhas começam a sair de sua boca e narinas, não mais aguentava aquelas
condições. O novo homem tenta emergir, mas não lhe sobram mais forças. Ele vai
sentindo um tremor em todo o corpo sente que a vida vai lhe escapando aos
poucos.
Será
assim o fim?
Um
último suspiro, representado por algumas poucas bolhas que lhe escaparam.
Dentre
a névoa encontrasse agora a estática criatura, antes monstro, jaz homem,
flutuando junto aos peixes mortos por ele. Servirá de matéria orgânica que
nutrirá os esquisitos seres que ali vivem, dando por fim mais uniformidade a
imagem daquele ambiente degradado.