Certo dia um homem decidiu levar seu único filho a um passeio no parque.
Dentro deste local podia-se desfrutar das formas mais diversas de entretenimento.
Lá,seu pequeno filho sentia como se estivesse num universo a parte de sua cidade e brincava feliz da vida,nada daquilo parecia que um dia fosse ter fim.
Estourava as coloridas bolhinhas de sabão que muitas outras crianças soltavam no ar.
Esperava na fila,junto a outros pequenos para subir as escadas e chegar ao topo do brinquedo. Lá de cima avistava seu pai que acenava com as mãos.Em seguida e rápido como um foguete ele descia o longo escorrego,mas ao fim da queda estava lá seu pai que lhe agarrava num forte abraço.
Brincava de pega,esconde-esconde,pulava cordas,gargalhava extasiado,e por fim respirava ofegantemente ,com as mãos apoiadas nos joelhos.
Mais na frente havia um pátio com pessoas sentadas,todas com as pernas cruzadas ,e organizadas formando um grande círculo com todos os presentes. Eles faziam uns gemidos estranhos enquanto permaneciam naquela mesma posição por um longo tempo. O menino não entendia nada, mas imaginava que tudo aquilo deveria ter haver com "auto-conhecimento",pois todos usavam camisas brancas com frases que diziam algo semelhante a isso.
O garotinho observava,ria sozinho e achava aquilo uma tremenda loucura.
Em seguida,o pai observando o filho pensativo com aquela situação, resolveu chama-lo para ver uma nova atração no parque. Uma parte daquele território havia sido reservado para abrigar todos os tipos de animais dispostos em recintos trancados.
O homem então pegou a mão do filho e o conduziu até o local onde estavam os animais.Mas o menino tão entusiasmado com aquilo, soltou repentinamente a mão do pai e foi correndo até a jaula do chimpanzé.
Não era nada de animador,ele pensava. Observar o macaquinho ir de um lado a outro da jaula diversas e diversas vezes. Havia também as horas em que ele comia,tomava água,fazia xixi,cocô e ainda por raros segundos olhava para o menino, incisivamente,como se pedisse algo. Incomodado com a situação, o jovem menino perguntou a seu pai:
-Porque não libertamos o macaquinho para que ele também possa brincar no parque como eu?Ele não parece estar feliz.
Após ter rido com a ousada dúvida de seu filho, o pai respondeu:
-Este chimpanzé não é um ser humano como eu e você,ele é um animal selvagem meu filho, provavelmente deve ter um comportamento violento. Não sabemos como ele pode reagir as pessoas, se o soltassemos aqui seria um caos. Neste cantinho ele tem tudo o que é necessário a ele, não há necessidade de soltá-lo.
Ainda sem entender direito como aquele macaquinho seria violento com outras pessoas ,o menino permaneceu andando com a cabeça voltada ao chão e acompanhou o pai que foi até a saída do parque.
No local,o menino viu um homem sério,enorme,fardado e que parecia estar duro como uma tábua. O garoto ainda observou outra coisa assustado, no bolso direito dele havia um revólver.
"Para quê aquela arma?"
Pensava ele.
O grandalhão ,depois ,num gesto automático, abriu o portão gradeado do parque que fez um rangido ensurdecedor. Os dois saíram e em seguida o homem grande disse a eles com uma voz fria:
-Tenham uma boa tarde.
O pai do garoto acenou e eles se despediram.
Mas uma dúvida ainda perdurava na mente do garoto.Ainda que o dia tivesse sido surpreendente,não tão mais satisfeito quanto antes,o menino perguntava a si mesmo:
"Porque os seres humanos são tão esquisitos?
Porque,hein?"
04/12/2013
"Lembre-se de Da Vinci. Artista, inventor, escultor, naturalista. Itália, século quinze. Redescobriu a perfeição do retângulo dourado...e o desenhou em suas obras primas. Conectando uma curva através dos retângulos dourados concêntricos, você obtém a mítica espiral dourada. Pitágoras amou esta forma, porque a encontrou na natureza: A concha de nautilus, chifres de carneiro, redemoinhos de água, tornados, nossas impressões digitais, nosso DNA e nossa Via Láctea, inclusive."
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terça-feira, 10 de dezembro de 2013
domingo, 17 de novembro de 2013
* Um inseto *
Há tempos,num cubículo ,trancafiado.Imerso em nuvens difusas ,faíscas cerebrais.
Esqueço-me...
Observo da sacada o quadro absurdo da modernidade.
Em marcha ,os corpos trafegam rumo ao eterno retorno,pacientemente, até que as laminas caiam sobre suas vidas.
Espremendo o que há dentro de meu crânio,indago:
-Eu,como fração disto,estaria também abandonado a circunstância monótona dos dias?
A solidão, indesejada companheira de existência, atiça ao pé de meus ouvidos:
-Não te abandonarias jamais!
Desesperado,nego a voz e professo intuitivamente:
-Nunca!
Abro de uma só vez a janela,utilizando-me de bruscos movimentos.
Inspiro profundamente o ar estranho a mim.
Deito em minha cama ,e enfim,retorna-me a tola estabilidade dos pensamentos organizados.
Inocentemente clamo por paz,dias melhores virão.
Aconchegado em meu recinto,penso estar livre do fado que a tanto me aflingia.
No entanto,repentinamente,surge um barulho quase inaudível,tirando-me o sossego. O zunido de um inseto asqueroso, um espécime estranho,voando vagarosamente em minha direção, pousa sobre a minha cabeça e num débil prazer, suga-me o sangue da testa.
15/11/2013
sábado, 12 de outubro de 2013
* O último voo *
Nomeiam-no enfermo,pois alem de cego ainda avistam-no pelos cantos balbuciando em monólogos.
Aquele andarilho no vão das multidões, despercebido passa, assim como todo frenetismo visceral a fora.
Apoiado num pedaço de pau ,extensão de seu corpo.
Parado ,apenas...
Sente...
Sorri e observa a tradução da imagem passada a limpo, o ritmo difuso metropolitano:
a sonoridade dos gestos, das buzinas insistentes, dos motores roncando,das sirenes da polícia,das ambulâncias,das furadeiras arrebentando o asfalto,um cachorro latindo, uma senhora gritando, outra também reclamando:
-Ainda mato este cão!
Mas que alvoroço...
Quem me dera ter pescoço.
Agonizo nestes dias!
Mas o cego não se engana, sorri,
sabe da sina.
Ele segue, depois, num passeio até o parque.
Entreter-se com os pombos, arremessa farelos, lambuza-se...
Percebe o som das aves, nota que andam em grupos e disputam as sobras jogadas até saciarem-se.
Só depois, num gozo gratificante,ele pode enfim escutar o bater das asas,a singularidade de cada voo.
Apenas uma ave não voa, sozinha, permanece a comer.
-Para onde voam?
Questiona o cego, inseguro por um momento ...
Calcula consigo mesmo...
Depois contorce-se e profere aos interlocutores inexistentes:
-Todos devem abandonar seus fardos, os cadernos de metas do ano de sucesso,
rasguem todos! Devem fechar também os olhos por um instante e escutar, não se acomodem ao absurdo,de quê adianta tão bons olhos se jaz o peito ainda mudo?
Ouçam!
Talvez seja só som toda a poesia que aqui reside ...
O último pombo alça voo e o mesmo som se repete num bater de asas.
O cego abaixa a cabeça...
Ele escuta mais distante o falar tímido e delicado de uma criança, que diz:
-Veja mamãe, que lindo o pequeno pombo voando para o céu!
O cego sente quase ver, desnuda-se a poesia.
Seu coração palpita, não consegue conter o pranto, lágrimas caem. Ele abaixa novamente a cabeça,emudecido, pronunciando consigo mesmo:
-Além do som há os céus!
11/1O/2O13
terça-feira, 24 de setembro de 2013
* A garota e o guarda-chuva *
Cabisbaixa, a miúda caminha.
Corpo encharcado de solidão,
seio que trava uma guerra injusta.
Cedendo em instintos ,
fragmenta-se sua sanidade .
Um pranto contido em seco...
A natureza anuncia a penitência,
e um estrondo lá longe indica o caminho ,
dilui as nuvens em disparos
dores insustentas,
uma porção delas.
As pernas fraquejam...
Mas um pensamento a impulsiona ,
profusão sentimental que flui.
Contorcendo-se de frio,
as mão firmes seguram algo.
Um passo...
dois...
três...
Inútil rapidez,
que será talvez?
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
* A vida em duas doses *
Garçon,chegue logo!
Deixe de lado a velha camaradagem
Traga-me uma dose de cicuta
Não me importa que a vida torne-se curta
Ou que ainda há algo a trilhar por sobre este chão
Ir de encontro a realidade é o mesmo que dar de cara com um muro
Veja bem, não tenho estado tão se-
guro
Mas sei o que há muito me aguardava atrás deste balcão
Depois,ainda sem cortesias,
traga-me uma dose de cachaça
Para que num gole só,ao fim de tudo, eu venha apenas a esquecer
Admitir que nisso há de se achar graça
E com um sorriso zombeteiro no rosto hei de morrer.
14/08/2013
* Averiguação *
Terno
Gravata
Barba feita
Mala preta
Olhar atento
Trabalho de minúcias
Pilha por pilha
Verdejantes
Sorriso sagaz
Tranquilidade
Rumo ao repouso
Suíte de primeiro andar
Degrau por degrau
Um fato de estranho
Algo da mala pinga
Gota por gota
Um tropeço
Pescoço quebrado
Piso com carpete
Não amorteceu .
Ainda hoje não se averiguou
Destacam-se dois porquês:
Foi o degrau, de sangue molhado ,
Ou a própria sombra que o comeu?
terça-feira, 9 de julho de 2013
* O falso poeta *
Ao poeta.
O criador de métricas
perdido no caos da rotina
Cria na rotina das palavras
o embrutecido
Rasga do olhar a cortina
Emerge o que se esta presente
no despercebido
Parindo na musicalidade dos versos
o ritmo dos andares perdidos
A rima sonora que insistem as
buzinas
Os trajetos obstruídos no trânsito
da vida percorrem na tinta de suas
palavras os mais inesperados caminhos
O marginal da rua duvida :
-Diante de tanta desgraça há de existir poesia
na vida?
O poeta responde em seus versos
Embora nem esteja tão certo
Talvez nem mesmo saiba o curso
Mas a dureza vista pertuba-lhe em encalço
e o faz proferir no impulso:
-O POETA É UM FALSO!
terça-feira, 25 de junho de 2013
* Noite dos desassossegados *
Há algo de amedrontador nesse silêncio que bate repentinamente, uma espécie de calmaria transvestida que outrora desvela-se em caos. Sutilmente,assim mesmo, aos poucos...
Motoristas conduzindo seus veículos apressadamente,
na mais profunda solidão.
Ligam naquela mesma rádio de sempre
desejando escutar aquela velha canção que ,
como de costume, sempre lhes acalmam os nervos.
Seguranças mal encarados,trajados em suas fardinhas.
Guardiões de imensas estruturas de concreto
que abrigam os mais diversos tipos de senhores e senhoras.
Atividade exercida de forma cautelosa para com estranhos
que venham a surgir pelos arredores,exige responsabilidade desmedida.
Quanta insegurança deve abrigar a virilidade deste tipos?
Casais de namorados,
longe de dar um tom romântico a noite
e quebrar com esse efeito devastador,
fogem pelas ruas quase que aleatoriamente,
se perdendo em atalhos que traçam com suas mentes
pertubadas pelo temor da morte aparente.
Meninos órfãos,
acham-se donos de seus próprios destinos
e das ruas que habitam.
Herdeiros do ópio,
ironicamente enjaulados por essa sub-estrutura a que pertencem,
imposta pela mão maior que ,a princípio, sempre afaga.
Empunhando um canivete em suas mãos trêmulas,
eles anseiam sua própria justiça sangrenta de ódio
contra o primeiro que cruzarem.
Belas moças na esquina,
pontualmente aguardam a margem das estradas
o próximo parceiro odioso que lhes ofereça
uma boa quantia em dinheiro ou, a contragosto,
uma nova cicatriz marcada por uma surra violentamente cruel.
A noite,antes protagonista,se torna apenas um pretexto para o sutil reinado do medo,que se faz residência. Com o caminhar destas horas que se estendem,o inútil combate frente a própria morada mostra-se raramente,podendo até ser visto através de um simples fato que se repete.
Um mero cão vira-lata surge.
Erguendo-se e mirando em latidos a lua majestosa no céu,o animal
DENUNCIA A TODOS!
terça-feira, 18 de junho de 2013
* Primavera *
Vem o último vento,indiferente ,assobiando agressivo.Desencadea-se a partir deste uma orquestra de sons: um farfalhar de miúdas vegetações,batidas de janelas,baques ensurdessedores de panelas,latir de cães medrosos nos becos das cidades.O maestro corre as ruas vazias da metrópole,bate as portas das moradas,rompe a paz das madrugadas,emanando de si um tom irônicamente profético.
Numa realida paralela caminha uma figura ao longo da calçada,no coração da cidade...
O pequeno Tim ,menino raquítico,mas dono de uma vontade imensurável,criança sonhadora que almeja um futuro de paz,como tantas outras.Ele tece seu destino de maneira inocente.
Nunca em tão curta existência havia feito um gol numa partida de futebol.
Impetuosamente,o garoto chutara quase sem querer a bola para o fundo das redes,dando a vitória a seu time,que agora era ovacionado por todos. Sua turma tinha sido campeã naquela modalidade dos jogos internos,não faltavam motivos para comemorações.
Ele atravessava a rua sob o sol escaldante,queria contar o feito a seus pais. Em passos firmes ele rachava o asfalto,tamanha era a sua felicidade.
Dirigindo o volante e pertubado,esta Pedro,ele tinha discutido seriamente com sua namorada.
E num instante definitivo,seu celular toca...
Ele anseia escutar a doce voz de sua amada...
Se abaixa e pega o celular...
É a hora do perdão,a tanto esperada...
A hora...
HORA PARA QUÊ?
A jovem vítima avista o veículo,já muito próximo,com um olhar lacrimejante de temor e um tanto de esperança...
O pneus lisos tentam dar freio a algo que não fosse a vida...
Irreversíveis são os nossos atos e os trajetos unidirecionais dos ponteiros do relógio eterno...
O pequeno Tim tem sua cabeça estourada contra o vidro do carro que se espatifa,seus miólos e os cacos se espalham por todos os cantos.O fato consumido marca com manchas de sangue aquele mesmo asfalto em que Tim passara.
Imperdoável é a ação do tempo,que a tudo e a todos destrói.
Subvertendo os frios objetivos do tempo,carrasco que a tudo corrompe,permanece o vento,sem qualquer consentimento,a correr por entre os bosques,jardins e até mesmo os cemitérios,arrancando os frutos de suas árvores e os derrubando como que acidentalmente em terras fertéis,concebendo,em efeito dominó, oque virão a ser as novas árvores e, conquentemente,os novos frutos colhidos,ora também amargos,mas de certa forma digeríveis.
quarta-feira, 8 de maio de 2013
*O mistério aparente na busca pela essência da vida*
Existem
fatos que constantemente passam aos nossos olhos quase que de maneira
despercebida no desdobrar-se
eterno do "corre-corre" cotidiano. Comportamentos que já estão tão
entranhados em nossas rotinas e que, por conta disso, não geram praticamente
qualquer forma de reflexão, simplesmente os incorporamos como hábitos. E se tem
um destes comportamentos que deveria nos intrigar é a habilidade, praticamente
inesgotável, que a nossa espécie tem em prover sentido para tudo que há aqui e
no universo. Apesar de sermos seres limitados em termos físicos, possuímos uma
capacidade imaginativa tão fantástica que podemos equipará-la à complexidade
que avistamos na natureza e em todos os seus fenômenos que nos cercam. À curta
vista, não é problema o fato de que criamos significados para o todo que se
mostra a nós de forma perceptível, ou pelo menos não na maioria das vezes.
Afinal, é através da criação de significados que o homo sapiens se reinventa continuamente e constrói os principais
alicerces para sua existência. Lembrando que um deles é nada mais nada menos
que a própria cultura, que é fundamental para todos os processos nos quais nós,
seres humanos, nos inserimos.
Mas...
e então? Será que este processo criativo ao qual sempre recorremos deve ser
unilateral? Será que estes sentidos que atribuímos às coisas realmente fazem
parte de uma realidade absoluta? Ou há de acreditar-se que tudo pode ser
relativizado e que os significados que associamos aos objetos apreendidos não
passam de uma maneira dentre muitas outras formas as quais o seres humanos se
adequam em sua realidade ?
Nós
tomamos as coisas como absolutas, imutáveis, esquecendo-nos de que isso que
existe é suscetível a corrupção temporal e por consequência também a todos os
tipos de mudanças, desta forma, as coisas podem vim a ter significados
diferentes. Mas por quê?
Entre
filósofos como Parmênides e Platão havia uma espécie de consenso, a respeito da
realidade: não havia, segundo os nossos sentidos, algo em que neste mundo se
pudesse confiar com exatidão. Ora, se nós observássemos aqui da Terra a
circunferência do Sol, poderíamos imaginar erroneamente que este astro não fosse
tão grande em extensão como entende-se atualmente. Baseando-se então que a ação
de criar significados é subordinada a percepção de nossos sentidos, surge uma
pergunta de imediato:diante de toda essa problemática presente, não seria a
busca por uma essência das coisas algo perfeitamente inútil?
Pensando
a partir de um amplo ponto de vista filosófico ou científico, e de acordo com
minha opinião, provavelmente a resposta seria um "não".
Após o
surgimento dessas visões de realidade que abordamos há pouco, surgiram tantas
outras que também objetivariam entender a realidade. Seja como algo absoluto ou
até a partir de um ponto de vista extremamente cético. As visões variariam
bastante com o tempo, ocorrendo diálogos entre filosofias distintas, como entre
a metafísica, mais anterior, e o empirismo, ambas pertencentes a polos opostos .
Do
seio da filosofia, surgiria também, aos poucos, algo que conhecemos como
"ciência". Diferentemente do que vemos atualmente neste campo, o
desenvolvimento inicial se daria por meio de especulações e não da experiência
prática, que é utilizada como principal método científico. Os primeiros
filósofos eram cosmólogos, questionavam-se a respeito da natureza e dos
princípios que a regiam(arché),temos a exemplo: Tales, Anaximandro,
Anaxímenes, Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Posteriormente surgiria a ciência
atual, com sua metodologia empirista, afim de obter maior rigor científico com
relação ao entendimento da natureza, mas, mesmo assim, estando também sujeita a
falhas.
David Hume, filósofo escocês que questionaria a
verdade tão intransponível que atribuímos ao conhecimento científico, afirmava
ainda assim que a menor verossimilhança que se podia obter com uma suposta
verdade era através do empirismo, visto que este se baseava, a princípio, nas
experiências. Desta forma, passando pela filosofia de Hume, uma experiência
sensorial sempre era observada partindo de uma suposta relação de causa e
efeito, fundamentados principalmente na experiência; e com essa experiência
aderia-se à conclusão por meio do hábito temporal.
Podemos citar como exemplo o fenômeno natural da
chuva, que ocorre por conta da evaporação da água em seu estado líquido.
Fenômeno este que pode ser observado e entendido em laboratório, a partir da
evaporação e resfriamento condicionados. Mesmo entendendo a causa desse
fenômeno, nossa certeza só se solidificará no hábito, ou seja, na repetição de
resultados equiparáveis em um certo número de experiências.
No entanto, como já foi dito, este conhecimento se dá
de forma empírica. Não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do hábito
e da expectativa. Espera-se inevitavelmente a evaporação da água, em
determinada experiência, mas essa expectativa criada não tem fundamento na
racionalidade em si, pois poderia ocorrer que essa água se transformasse em
gelo. Hume afirma que o princípio da causa pode ser inteiramente explicado por
uma ilusão psicológica, e não há nele o menor valor de verdade.
Ainda em meio a esses
estudos que estariam por relativizar grande parte do nosso conhecimento, Sigmund
Freud escreveria mais tarde que as concepções humanas haviam sido "feridas"
três vezes, e que essas "feridas" atingiram nosso narcisismo, isto é,
a bela imagem que possuíamos de nós mesmos.
Foram
nomes importantíssimos e que marcaram para sempre a história da ciência. Cientistas
que quebraram paradigmas. Copérnico, responsável pela derrocada da teoria
geocêntrica, diria que a Terra não era o verdadeiro centro do universo, como
dizia a igreja, mas apenas um dentre tantos planetas que orbitariam o sol num
sistema solar. Darwin, que diria que o homem e outros seres vivos tinham uma
espécie de parentesco, e, portanto, partilhariam uma árvore genealógica que
ascendia em continua evolução, condicionada principalmente pelo processo de
seleção natural. E o próprio Freud, com a descoberta do inconsciente,
identificaria o principal elemento psicológico, até há pouco ignorado, que
seria o principal responsável pelo nosso condicionamento comportamental.
Todos
esses cientistas revolucionariam o nosso entendimento a respeito do mundo e de
nós mesmos, retirando-nos do trono em que nós estávamos sentados há tanto tempo
e nos colocando, por fim, como meros coadjuvantes em todo esse sistema a que
pertencemos.
Vimos,
cada vez mais, as diversas formas de conhecimento que revolucionaram e derrubaram
seus próprios dogmas, acabando por nos deixar boquiabertos e com uma sensação
de engano, devido ao conhecimento que levamos durante toda uma vida e acabamos
por abandonar em parte.
Longe
de um sentido unívoco da realidade, continuamos nossa caminhada a tentar
entender talvez um suposto mistério que se esconde nas coisas. Uma essência
inalcançável, num mundo onde talvez não haja nada de absoluto, mas apenas
verdades temporárias que nos motivam nessa incessante busca por significados
num sentido existencial aparente.
Concluo
esta matéria com um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônomos de Fernando
Pessoa, é poeta fortemente ligado a natureza e apresenta-se a seus leitores
como um simples “guardador de rebanhos”.
O
MISTÉRIO DAS COUSAS
(de
“Guardador de Rebanhos” – Alberto Caeiro)
O
mistério das cousas, onde está ele?
Onde
está ele que não aparece
Pelo
menos a mostrar-nos que é mistério?
Que
sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu,
que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre
que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio
como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque
o único sentido oculto das cousas
É elas
não terem sentido oculto nenhum,
É mais
estranho do que todas as estranhezas
E do
que os sonhos de todos os poetas
E os
pensamentos de todos os filósofos,
Que as
cousas sejam realmente o que parecem ser
E não
haja nada que compreender.
Sim,
eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As
cousas não têm significação: têm existência.
As
cousas são o único sentido oculto das cousas.
segunda-feira, 6 de maio de 2013
* Em teu sono *
Vejo em teu semblante
a mais casta de todas as purezas
Em teu corpo frágil perpétuo as sobras da madrugada
sujeitando-me a sutilezas
Arrasta minha alma em ânsia!
...pulsares de meu orgão numa inutil relutância...
Dispo-te em olhares...
Banho-te em mil flores...
Permanece teu ser inerte
dentre tantos cobertores
Tua carne pálida
Teus fartos cabelos
Teu cheiro infantil
Inundam-me as retinas
Meu estado é poeril
Imploro a ti que sejas breve
Que me cures da inveja
Que a Eros as preces leve
Pois teu sono é liberdade profunda
E a minha inquietude a consciência aleija.
segunda-feira, 25 de março de 2013
* Foi-se em si *
Por perto perdeu-se
Procurou padronizar pensamentos
Passagens perdidas
Pontuações...
pontes,portas,portos
Problemas possíveis
Partiu-se em partes
Pluralizou-se !
Desprendeu-se de qualquer forma de substrato
Tediosa seria a grandiosidade geniosa da existência num único ato
Tomou sem cerimônia a arma mais destrutiva que tinha ciência
Explodiu-se em milhares de dezenas desconhecidas, múltiplos de números desordenados
"Introspectivando-se", elevou seu ser a um estado de extrema leveza
Fluidez espontânea em cada átomo presente nos mais inimagináveis confins
Abandonara o temor de recair-se sobre a foice das possibilidades infinitesimais
Foi-se em si.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
* Ao amor *
Acendi o primeiro...
Pena, pensar que este seria o último,
não fora...
A fumaça formava uma espécie de névoa ,
ascendia com os ventos noturnos,
como a nuvem que naturalmente
busca as altitudes mais elevadas durante o crepúsculo.
Vagarosamente,
Impetuosamente,
ia ao encontro de seu destino,
afim de tornar-se ao menos uma vez um singelo elemento daquela paisagem,
algo em que ao menos pudesse servir de agrado aos olhos de um passageiro numa rua qualquer...
Não fora...
A minúscula névoa não fazia parte daquele cenário ,
era algo impuro,
proveniente da mais baixa iguaria,
tamanha podridão não podia se misturar as outras nuvens,
era inconcebível.
Apenas fumaça...
Haveria de se esperar que aquilo se dissipasse da mesma forma que as pestes...
Abundam nos bares nas noites de término, na mais ridícula uniformidade, se esbaldando
de algo que os entorpeça ,que os mantenha suspensos numa atmosfera igualmente ridícula.
Apenas fumaça...
Há de se dissipar,
nem que para isso terminem em pequenos projetos de covas,
perfeitamente ornamentadas e com seus nomezinhos gravados.
Enfim...
Fora.
Ininterruptamente agarrei-me a outro,
mesmo exausto e diante da fornalha que meu quarto se tornara com o nascer do sol .
Traguei mansamente o que
sobrara de minha singularidade,
meu ser se desmanchava em cinzas,
meu corpo em combustão como numa sinfonia em seu momento de ápice...
Brotaram-se as mais nefastas imagens,
os mais sombrios pensamentos,
o corvo batera em véspera suas asas em plena aurora
e a névoa matutina enfim dissipara-se dentre os raios afora.
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