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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

* Jaulas *

Certo dia um homem decidiu levar seu único filho a um passeio no parque. 

Dentro deste local podia-se desfrutar das formas mais diversas de entretenimento

Lá,seu pequeno filho sentia como se estivesse num universo a parte de sua cidade e brincava feliz da vida,nada daquilo parecia que um dia fosse ter fim.

Estourava as coloridas bolhinhas de sabão que muitas outras crianças soltavam no ar.

Esperava na fila,junto a outros pequenos para subir as escadas e chegar ao topo do brinquedo. Lá de cima avistava seu pai que acenava com as mãos.Em seguida e rápido como um foguete ele descia o longo escorrego,mas ao fim da queda estava lá seu pai que lhe agarrava num forte abraço.

Brincava de pega,esconde-esconde,pulava cordas,gargalhava extasiado,e por fim respirava ofegantemente ,com as mãos apoiadas nos joelhos.

Mais na frente havia um pátio com pessoas sentadas,todas com as pernas cruzadas ,e organizadas formando um grande círculo com todos os presentes. Eles faziam uns gemidos estranhos enquanto permaneciam naquela mesma posição por um longo tempo. O menino não entendia nada, mas imaginava que tudo aquilo deveria ter haver com "auto-conhecimento",pois todos usavam camisas brancas com frases que diziam algo semelhante a isso.

O garotinho observava,ria sozinho e achava aquilo uma tremenda loucura.

Em seguida,o pai observando o filho pensativo com aquela situação, resolveu chama-lo para ver uma nova atração no parque. Uma parte daquele território havia sido reservado para abrigar todos os tipos de animais dispostos em recintos trancados.

O homem então pegou a mão do filho e o conduziu até o local onde estavam os animais.Mas o menino tão entusiasmado com aquilo, soltou repentinamente a mão do pai e foi correndo até a jaula do chimpanzé.

Não era nada de animador,ele pensava. Observar o macaquinho ir de um lado a outro da jaula diversas e diversas vezes. Havia também as horas em que ele comia,tomava água,fazia xixi,cocô e ainda por raros segundos olhava para o menino, incisivamente,como se pedisse algo. Incomodado com a situação, o jovem menino perguntou a seu pai:

-Porque não libertamos o macaquinho para que ele também possa brincar no parque como eu?Ele não parece estar feliz.

Após ter rido com a ousada dúvida de seu filho, o pai respondeu:

-Este chimpanzé não é um ser humano como eu e você,ele é um animal selvagem meu filho, provavelmente deve ter um comportamento violento. Não sabemos como ele pode reagir as pessoas, se o soltassemos aqui seria um caos. Neste cantinho ele tem tudo o que é necessário a ele, não há necessidade de soltá-lo.

Ainda sem entender direito como aquele macaquinho seria violento com outras pessoas ,o menino permaneceu andando com a cabeça voltada ao chão e acompanhou o pai que foi até a saída do parque.

No local,o menino viu um homem sério,enorme,fardado e que parecia estar duro como uma tábua. O garoto ainda observou outra coisa assustado, no bolso direito dele havia um revólver.

"Para quê aquela arma?"
Pensava ele.

O grandalhão ,depois ,num gesto automático, abriu o portão gradeado do parque que fez um rangido ensurdecedor. Os dois saíram e em seguida o homem grande disse a eles com uma voz fria:

-Tenham uma boa tarde.

O pai do garoto acenou e eles se despediram.

Mas uma dúvida ainda perdurava na mente do garoto.Ainda que o dia tivesse sido surpreendente,não tão mais satisfeito quanto antes,o menino perguntava a si mesmo:

"Porque os seres humanos são tão esquisitos?

Porque,hein?"



04/12/2013

domingo, 17 de novembro de 2013

* Um inseto *


Há tempos,num cubículo ,trancafiado.Imerso em nuvens difusas ,faíscas cerebrais. 

Esqueço-me...

Observo da sacada o quadro absurdo da modernidade.

Em marcha ,os corpos trafegam rumo ao eterno retorno,pacientemente, até que as laminas caiam sobre suas vidas.

Espremendo o que há dentro de meu crânio,indago:

-Eu,como fração disto,estaria também abandonado a circunstância monótona dos dias?

A solidão, indesejada companheira de existência, atiça ao pé de meus ouvidos:
-Não te abandonarias jamais!

Desesperado,nego a voz e professo intuitivamente:

-Nunca!

Abro de uma só vez a janela,utilizando-me de bruscos movimentos.

Inspiro profundamente o ar estranho a mim.

Deito em minha cama ,e enfim,retorna-me a tola estabilidade dos pensamentos organizados.

Inocentemente clamo por paz,dias melhores virão.

Aconchegado em meu recinto,penso estar livre do fado que a tanto me aflingia.

No entanto,repentinamente,surge um barulho quase inaudível,tirando-me o sossego. O zunido de um inseto asqueroso, um espécime estranho,voando vagarosamente em minha direção, pousa sobre a minha cabeça e num débil prazer, suga-me o sangue da testa.

15/11/2013

sábado, 12 de outubro de 2013

* O último voo *



Nomeiam-no enfermo,pois alem de cego ainda avistam-no pelos cantos balbuciando em monólogos. 


Aquele andarilho no vão das multidões, despercebido passa, assim como todo frenetismo visceral a fora.

Apoiado num pedaço de pau ,extensão de seu corpo. 

Parado ,apenas... 


Sente...


Sorri e observa a tradução da imagem passada a limpo, o ritmo difuso metropolitano:

a sonoridade dos gestos, das buzinas insistentes, dos motores roncando,das sirenes da polícia,das ambulâncias,das furadeiras arrebentando o asfalto,um cachorro latindo, uma senhora gritando, outra também reclamando: 

-Ainda mato este cão! 


Mas que alvoroço... 

Quem me dera ter pescoço.
Agonizo nestes dias! 

Mas o cego não se engana, sorri, 

sabe da sina. 

Ele segue, depois, num passeio até o parque. 


Entreter-se com os pombos, arremessa farelos, lambuza-se... 

Percebe o som das aves, nota que andam em grupos e disputam as sobras jogadas até saciarem-se. 
Só depois, num gozo gratificante,ele pode enfim escutar o bater das asas,a singularidade de cada voo. 
Apenas uma ave não voa, sozinha, permanece a comer.

-Para onde voam? 

Questiona o cego, inseguro por um momento ... 
Calcula consigo mesmo... 

Depois contorce-se e profere aos interlocutores inexistentes:


-Todos devem abandonar seus fardos, os cadernos de metas do ano de sucesso, 

rasguem todos! Devem fechar também os olhos por um instante e escutar, não se acomodem ao absurdo,de quê adianta tão bons olhos se jaz o peito ainda mudo?
Ouçam! 
Talvez seja só som toda a poesia que aqui reside ...


O último pombo alça voo e o mesmo som se repete num bater de asas.


O cego abaixa a cabeça... 

Ele escuta mais distante o falar tímido e delicado de uma criança, que diz: 

-Veja mamãe, que lindo o pequeno pombo voando para o céu! 


O cego sente quase ver, desnuda-se a poesia. 

Seu coração palpita, não consegue conter o pranto, lágrimas caem. Ele abaixa novamente a cabeça,emudecido, pronunciando consigo mesmo:
-Além do som há os céus! 

11/1O/2O13

terça-feira, 24 de setembro de 2013

* A garota e o guarda-chuva *



Cabisbaixa, a miúda caminha.

Corpo encharcado de solidão,
seio que trava uma guerra injusta.

Cedendo em instintos ,
fragmenta-se sua sanidade .




Um pranto contido em seco...




A natureza anuncia a penitência,
e um estrondo lá longe indica o caminho ,
dilui as nuvens em disparos
dores insustentas,
uma porção delas.

As pernas fraquejam...

Mas um pensamento a impulsiona ,
profusão sentimental que flui.

Contorcendo-se de frio,
as mão firmes seguram algo.

Um passo...
dois...
três...

Inútil rapidez,
que será talvez?



segunda-feira, 19 de agosto de 2013

* A vida em duas doses *




Garçon,chegue logo!

Deixe de lado a velha camaradagem 


Traga-me uma dose de cicuta 


Não me importa que a vida torne-se curta

 
Ou que ainda há algo a trilhar por sobre este chão


Ir de encontro a realidade é o mesmo que dar de cara com um muro


Veja bem, não tenho estado tão se-
guro
Mas sei o que há muito me aguardava atrás deste balcão

Depois,ainda sem cortesias,


traga-me uma dose de cachaça
Para que num gole só,ao fim de tudo, eu venha apenas a esquecer


Admitir que nisso há de se achar graça


E com um sorriso zombeteiro no rosto hei de morrer.



14/08/2013

* Averiguação *



Terno 

Gravata 
Barba feita 
Mala preta 
Olhar atento 
Trabalho de minúcias
Pilha por pilha 
Verdejantes 
Sorriso sagaz
Tranquilidade
Rumo ao repouso
Suíte de primeiro andar
Degrau por degrau
Um fato de estranho
Algo da mala pinga
Gota por gota
Um tropeço
Pescoço quebrado
Piso com carpete
Não amorteceu .
Ainda hoje não se averiguou
Destacam-se dois porquês:
Foi o degrau, de sangue molhado ,
Ou a própria sombra que o comeu?

terça-feira, 9 de julho de 2013

* O falso poeta *



Ao poeta.


O criador de métricas

perdido no caos da rotina

Cria na rotina das palavras

o embrutecido

Rasga do olhar a cortina


Emerge o que se esta presente

no despercebido

Parindo na musicalidade dos versos

o ritmo dos andares perdidos

A rima sonora que insistem as

buzinas

Os trajetos obstruídos no trânsito

da vida percorrem na tinta de suas
palavras os mais inesperados caminhos

O marginal da rua duvida :


-Diante de tanta desgraça há de existir poesia

na vida?

O poeta responde em seus versos

Embora nem esteja tão certo
Talvez nem mesmo saiba o curso
Mas a dureza vista pertuba-lhe em encalço
e o faz proferir no impulso:

-O POETA É UM FALSO!


terça-feira, 25 de junho de 2013

* Noite dos desassossegados *


Há algo de amedrontador nesse silêncio que bate repentinamente, uma espécie de calmaria transvestida que outrora desvela-se em caos. Sutilmente,assim mesmo, aos poucos... 



Motoristas conduzindo seus veículos apressadamente,

na mais profunda solidão.
Ligam naquela mesma rádio de sempre
desejando escutar aquela velha canção que ,
como de costume, sempre lhes acalmam os nervos.

Seguranças mal encarados,trajados em suas fardinhas.

Guardiões de imensas estruturas de concreto
que abrigam os mais diversos tipos de senhores e senhoras.
Atividade exercida de forma cautelosa para com estranhos
que venham a surgir pelos arredores,exige responsabilidade desmedida.
Quanta insegurança deve abrigar a virilidade deste tipos?

Casais de namorados,

longe de dar um tom romântico a noite
e quebrar com esse efeito devastador,
fogem pelas ruas quase que aleatoriamente,
se perdendo em atalhos que traçam com suas mentes
pertubadas pelo temor da morte aparente.

Meninos órfãos,

acham-se donos de seus próprios destinos
e das ruas que habitam.
Herdeiros do ópio,
ironicamente enjaulados por essa sub-estrutura a que pertencem,
imposta pela mão maior que ,a princípio, sempre afaga.
Empunhando um canivete em suas mãos trêmulas,
eles anseiam sua própria justiça sangrenta de ódio
contra o primeiro que cruzarem.

Belas moças na esquina,

pontualmente aguardam a margem das estradas
o próximo parceiro odioso que lhes ofereça
uma boa quantia em dinheiro ou, a contragosto,
uma nova cicatriz marcada por uma surra violentamente cruel.


 A noite,antes protagonista,se torna apenas um pretexto para o sutil reinado do medo,que se faz residência. Com o caminhar destas horas que se estendem,o inútil combate frente a própria morada mostra-se raramente,podendo até ser visto através de um simples fato que se repete. 




Um mero cão vira-lata surge.

Erguendo-se e mirando em latidos a lua majestosa no céu,o animal
DENUNCIA A TODOS!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Quadrinhos 1


A obscuridade da ideia primordial de deus










* Primavera *

O tempo deixa seu legado,a natureza numa aparente sincronia com todas as formas de vida possíveis permanece em constante movimento. Há de se gerar , por si só uma infinitude de cores, uma explosão assombrosa de fertilidade que se perpetuará nestes mesmos períodos,acalmando a ânsia dos românticos.


Vem o último vento,indiferente ,assobiando agressivo.Desencadea-se a partir deste uma orquestra de sons: um farfalhar de miúdas vegetações,batidas de janelas,baques ensurdessedores de panelas,latir de cães medrosos nos becos das cidades.O maestro corre as ruas vazias da metrópole,bate as portas das moradas,rompe a paz das madrugadas,emanando de si um tom irônicamente profético.


Numa realida paralela caminha uma figura ao longo da calçada,no coração da cidade...
O pequeno Tim ,menino raquítico,mas dono de uma vontade imensurável,criança sonhadora que almeja um futuro de paz,como tantas outras.Ele tece seu destino de maneira inocente.

Nunca em tão curta existência havia feito um gol numa partida de futebol.
Impetuosamente,o garoto chutara quase sem querer a bola para o fundo das redes,dando a vitória a seu time,que agora era ovacionado por todos. Sua turma tinha sido campeã naquela modalidade dos jogos internos,não faltavam motivos para comemorações.

Ele atravessava a rua sob o sol escaldante,queria contar o feito a seus pais. Em passos firmes ele rachava o asfalto,tamanha era a sua felicidade.


Dirigindo o volante e pertubado,esta Pedro,ele tinha discutido seriamente com sua namorada.

E num instante definitivo,seu celular toca...

Ele anseia escutar a doce voz de sua amada...

Se abaixa e pega o celular...

É a hora do perdão,a tanto esperada...


A hora...


HORA PARA QUÊ?


A jovem vítima avista o veículo,já muito próximo,com um olhar lacrimejante de temor e um tanto de esperança...

O pneus lisos tentam dar freio a algo que não fosse a vida...


Irreversíveis são os nossos atos e os trajetos unidirecionais dos ponteiros do relógio eterno...


O pequeno Tim tem sua cabeça estourada contra o vidro do carro que se espatifa,seus miólos e os cacos se espalham por todos os cantos.O fato consumido marca com manchas de sangue aquele mesmo asfalto em que Tim passara.


Imperdoável é a ação do tempo,que a tudo e a todos destrói.


Subvertendo os frios objetivos do tempo,carrasco que a tudo corrompe,permanece o vento,sem qualquer consentimento,a correr por entre os bosques,jardins e até mesmo os cemitérios,arrancando os frutos de suas árvores e os derrubando como que acidentalmente em terras fertéis,concebendo,em efeito dominó, oque virão a ser as novas árvores e, conquentemente,os novos frutos colhidos,ora também amargos,mas de certa forma digeríveis.
  

quarta-feira, 8 de maio de 2013

*O mistério aparente na busca pela essência da vida*


Existem fatos que constantemente passam aos nossos olhos quase que de maneira despercebida no desdobrar-se eterno do "corre-corre" cotidiano. Comportamentos que já estão tão entranhados em nossas rotinas e que, por conta disso, não geram praticamente qualquer forma de reflexão, simplesmente os incorporamos como hábitos. E se tem um destes comportamentos que deveria nos intrigar é a habilidade, praticamente inesgotável, que a nossa espécie tem em prover sentido para tudo que há aqui e no universo. Apesar de sermos seres limitados em termos físicos, possuímos uma capacidade imaginativa tão fantástica que podemos equipará-la à complexidade que avistamos na natureza e em todos os seus fenômenos que nos cercam. À curta vista, não é problema o fato de que criamos significados para o todo que se mostra a nós de forma perceptível, ou pelo menos não na maioria das vezes. Afinal, é através da criação de significados que o homo sapiens se reinventa continuamente e constrói os principais alicerces para sua existência. Lembrando que um deles é nada mais nada menos que a própria cultura, que é fundamental para todos os processos nos quais nós, seres humanos, nos inserimos.

Mas... e então? Será que este processo criativo ao qual sempre recorremos deve ser unilateral? Será que estes sentidos que atribuímos às coisas realmente fazem parte de uma realidade absoluta? Ou há de acreditar-se que tudo pode ser relativizado e que os significados que associamos aos objetos apreendidos não passam de uma maneira dentre muitas outras formas as quais o seres humanos se adequam em sua realidade ?

Nós tomamos as coisas como absolutas, imutáveis, esquecendo-nos de que isso que existe é suscetível a corrupção temporal e por consequência também a todos os tipos de mudanças, desta forma, as coisas podem vim a ter significados diferentes.  Mas por quê?

Entre filósofos como Parmênides e Platão havia uma espécie de consenso, a respeito da realidade: não havia, segundo os nossos sentidos, algo em que neste mundo se pudesse confiar com exatidão. Ora, se nós observássemos aqui da Terra a circunferência do Sol, poderíamos imaginar erroneamente que este astro não fosse tão grande em extensão como entende-se atualmente. Baseando-se então que a ação de criar significados é subordinada a percepção de nossos sentidos, surge uma pergunta de imediato:diante de toda essa problemática presente, não seria a busca por uma essência das coisas algo perfeitamente inútil?

Pensando a partir de um amplo ponto de vista filosófico ou científico, e de acordo com minha opinião, provavelmente a resposta seria um "não".

Após o surgimento dessas visões de realidade que abordamos há pouco, surgiram tantas outras que também objetivariam entender a realidade. Seja como algo absoluto ou até a partir de um ponto de vista extremamente cético. As visões variariam bastante com o tempo, ocorrendo diálogos entre filosofias distintas, como entre a metafísica, mais anterior, e o empirismo, ambas pertencentes a polos opostos .

Do seio da filosofia, surgiria também, aos poucos, algo que conhecemos como "ciência". Diferentemente do que vemos atualmente neste campo, o desenvolvimento inicial se daria por meio de especulações e não da experiência prática, que é utilizada como principal método científico. Os primeiros filósofos eram cosmólogos, questionavam-se a respeito da natureza e dos princípios que a regiam(arché),temos a exemplo: Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Pitágoras e Demócrito. Posteriormente surgiria a ciência atual, com sua metodologia empirista, afim de obter maior rigor científico com relação ao entendimento da natureza, mas, mesmo assim, estando também sujeita a falhas. 

David Hume, filósofo escocês que questionaria a verdade tão intransponível que atribuímos ao conhecimento científico, afirmava ainda assim que a menor verossimilhança que se podia obter com uma suposta verdade era através do empirismo, visto que este se baseava, a princípio, nas experiências. Desta forma, passando pela filosofia de Hume, uma experiência sensorial sempre era observada partindo de uma suposta relação de causa e efeito, fundamentados principalmente na experiência; e com essa experiência aderia-se à conclusão por meio do hábito temporal.

Podemos citar como exemplo o fenômeno natural da chuva, que ocorre por conta da evaporação da água em seu estado líquido. Fenômeno este que pode ser observado e entendido em laboratório, a partir da evaporação e resfriamento condicionados. Mesmo entendendo a causa desse fenômeno, nossa certeza só se solidificará no hábito, ou seja, na repetição de resultados equiparáveis em um certo número de experiências.

No entanto, como já foi dito, este conhecimento se dá de forma empírica. Não existe, na ideia de causalidade, senão o peso do hábito e da expectativa. Espera-se inevitavelmente a evaporação da água, em determinada experiência, mas essa expectativa criada não tem fundamento na racionalidade em si, pois poderia ocorrer que essa água se transformasse em gelo. Hume afirma que o princípio da causa pode ser inteiramente explicado por uma ilusão psicológica, e não há nele o menor valor de verdade.

Ainda em meio a esses estudos que estariam por relativizar grande parte do nosso conhecimento, Sigmund Freud escreveria mais tarde que as concepções humanas haviam sido "feridas" três vezes, e que essas "feridas" atingiram nosso narcisismo, isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos.

Foram nomes importantíssimos e que marcaram para sempre a história da ciência. Cientistas que quebraram paradigmas. Copérnico, responsável pela derrocada da teoria geocêntrica, diria que a Terra não era o verdadeiro centro do universo, como dizia a igreja, mas apenas um dentre tantos planetas que orbitariam o sol num sistema solar. Darwin, que diria que o homem e outros seres vivos tinham uma espécie de parentesco, e, portanto, partilhariam uma árvore genealógica que ascendia em continua evolução, condicionada principalmente pelo processo de seleção natural. E o próprio Freud, com a descoberta do inconsciente, identificaria o principal elemento psicológico, até há pouco ignorado, que seria o principal responsável pelo nosso condicionamento comportamental.

Todos esses cientistas revolucionariam o nosso entendimento a respeito do mundo e de nós mesmos, retirando-nos do trono em que nós estávamos sentados há tanto tempo e nos colocando, por fim, como meros coadjuvantes em todo esse sistema a que pertencemos.

Vimos, cada vez mais, as diversas formas de conhecimento que revolucionaram e derrubaram seus próprios dogmas, acabando por nos deixar boquiabertos e com uma sensação de engano, devido ao conhecimento que levamos durante toda uma vida e acabamos por abandonar em parte.

Longe de um sentido unívoco da realidade, continuamos nossa caminhada a tentar entender talvez um suposto mistério que se esconde nas coisas. Uma essência inalcançável, num mundo onde talvez não haja nada de absoluto, mas apenas verdades temporárias que nos motivam nessa incessante busca por significados num sentido existencial aparente.

Concluo esta matéria com um poema de Alberto Caeiro, um dos heterônomos de Fernando Pessoa, é poeta fortemente ligado a natureza e apresenta-se a seus leitores como um simples “guardador de rebanhos”.


O MISTÉRIO DAS COUSAS
(de “Guardador de Rebanhos” – Alberto Caeiro)

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.
Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.   



segunda-feira, 6 de maio de 2013

* Em teu sono *



Vejo em teu semblante
a mais casta de todas as purezas

Em teu corpo frágil perpétuo as sobras da madrugada
sujeitando-me a sutilezas

Arrasta minha alma em ânsia!




...pulsares de meu orgão numa inutil relutância...




Dispo-te em olhares...
Banho-te em mil flores...

Permanece teu ser inerte
dentre tantos cobertores



Tua carne pálida
Teus fartos cabelos
Teu cheiro infantil

Inundam-me as retinas
Meu estado é poeril



Imploro a ti que sejas breve
Que me cures da inveja
Que a Eros as preces leve
Pois teu sono é liberdade profunda
E a minha inquietude a consciência aleija.

segunda-feira, 25 de março de 2013

* Foi-se em si *



Por perto perdeu-se
Procurou padronizar pensamentos
Passagens perdidas

Pontuações...
pontes,portas,portos
Problemas possíveis

Partiu-se em partes


Pluralizou-se !

Desprendeu-se de qualquer forma de substrato

Tediosa seria a grandiosidade geniosa da existência num único ato

Tomou sem cerimônia a arma mais destrutiva que tinha ciência

Explodiu-se em milhares de dezenas desconhecidas, múltiplos de números desordenados

"Introspectivando-se", elevou seu ser a um estado de extrema leveza

Fluidez espontânea em cada átomo presente nos mais inimagináveis confins

Abandonara o temor de recair-se sobre a foice das possibilidades infinitesimais


Foi-se em si.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

* Ao amor *




Acendi o primeiro...
Pena, pensar que este seria o último,

não fora...

A fumaça formava uma espécie de névoa ,
ascendia com os ventos noturnos,
como a nuvem que naturalmente
busca as altitudes mais elevadas durante o crepúsculo.

Vagarosamente,
Impetuosamente,
ia ao encontro de seu destino,
afim de tornar-se ao menos uma vez um singelo elemento daquela paisagem,
algo em que ao menos pudesse servir de agrado aos olhos de um passageiro numa rua qualquer...

Não fora...

A minúscula névoa não fazia parte daquele cenário ,
era algo impuro,
proveniente da mais baixa iguaria,
tamanha podridão não podia se misturar as outras nuvens,
era inconcebível.

Apenas fumaça...

Haveria de se esperar que aquilo se dissipasse da mesma forma que as pestes...

Abundam nos bares nas noites de término, na mais ridícula uniformidade, se esbaldando
de algo que os entorpeça ,que os mantenha suspensos numa atmosfera igualmente ridícula.

Apenas fumaça...

Há de se dissipar,
nem que para isso terminem em pequenos projetos de covas,
perfeitamente ornamentadas e com seus nomezinhos gravados.

Enfim...
Fora.

Ininterruptamente agarrei-me a outro,
mesmo exausto e diante da fornalha que meu quarto se tornara com o nascer do sol .

Traguei mansamente o que
sobrara de minha singularidade,
meu ser se desmanchava em cinzas,
meu corpo em combustão como numa sinfonia em seu momento de ápice...

Brotaram-se as mais nefastas imagens,
os mais sombrios pensamentos,
o corvo batera em véspera suas asas em plena aurora
e a névoa matutina enfim dissipara-se dentre os raios afora.