Nomeiam-no enfermo,pois alem de cego ainda avistam-no pelos cantos balbuciando em monólogos.
Aquele andarilho no vão das multidões, despercebido passa, assim como todo frenetismo visceral a fora.
Apoiado num pedaço de pau ,extensão de seu corpo.
Parado ,apenas...
Sente...
Sorri e observa a tradução da imagem passada a limpo, o ritmo difuso metropolitano:
a sonoridade dos gestos, das buzinas insistentes, dos motores roncando,das sirenes da polícia,das ambulâncias,das furadeiras arrebentando o asfalto,um cachorro latindo, uma senhora gritando, outra também reclamando:
-Ainda mato este cão!
Mas que alvoroço...
Quem me dera ter pescoço.
Agonizo nestes dias!
Mas o cego não se engana, sorri,
sabe da sina.
Ele segue, depois, num passeio até o parque.
Entreter-se com os pombos, arremessa farelos, lambuza-se...
Percebe o som das aves, nota que andam em grupos e disputam as sobras jogadas até saciarem-se.
Só depois, num gozo gratificante,ele pode enfim escutar o bater das asas,a singularidade de cada voo.
Apenas uma ave não voa, sozinha, permanece a comer.
-Para onde voam?
Questiona o cego, inseguro por um momento ...
Calcula consigo mesmo...
Depois contorce-se e profere aos interlocutores inexistentes:
-Todos devem abandonar seus fardos, os cadernos de metas do ano de sucesso,
rasguem todos! Devem fechar também os olhos por um instante e escutar, não se acomodem ao absurdo,de quê adianta tão bons olhos se jaz o peito ainda mudo?
Ouçam!
Talvez seja só som toda a poesia que aqui reside ...
O último pombo alça voo e o mesmo som se repete num bater de asas.
O cego abaixa a cabeça...
Ele escuta mais distante o falar tímido e delicado de uma criança, que diz:
-Veja mamãe, que lindo o pequeno pombo voando para o céu!
O cego sente quase ver, desnuda-se a poesia.
Seu coração palpita, não consegue conter o pranto, lágrimas caem. Ele abaixa novamente a cabeça,emudecido, pronunciando consigo mesmo:
-Além do som há os céus!
11/1O/2O13