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quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

* O VENTO *



Era tarde. Tarde demais talvez, mas o sol ainda brilhava tênue. Sentia em meus olhos um leve ardor e o macio do colchão em minhas costas naquela minha posição horizontal. Eu estava deitado na cama do meu quarto, localizada paralelamente à janela, pensando nos últimos intervalos de tempo, no que fazia ali, esquecido de como e quando fora deitar.


Lá fora e através de uma brecha da janela o vento soprava um zunido levemente assobiado e, de súbito, parava. Através do vidro eu via as folhas de uma mangueira dançando ao som assobiado do vento e, inesperadamente, pararem.


Havia convidados na casa, mas ali, no quarto, outro tempo se desenvolvia perante meus olhos. Porque eu estava de sapatos? “Incrivelmente engraxados”. Pensei, enquanto os observava absorto.


Despertava daquela contemplação quando percebia o barulho silencioso das visitas na sala de estar, poucas vozes, alguns ruídos de fala incompreensível e o som de talheres educadamente manuseados sob o peso da discrição.


Senti em meu pescoço a opressão de uma gravata. “Porque estou deitado de gravata?” Cogitei por um instante, mas, de súbito, o zunido do vento levemente assobiado recomeçou. Olhei para a janela: as folhas balançavam lá fora alisando o vidro da janela.


Era fim de tarde e meus olhos ardiam vermelhos, como a tonalidade das nuvens. Enquanto isso, dentro do quarto, sombras se projetavam das folhas da árvore, indefinidas.


Era interessante como antes dos últimos raios de um pôr do sol a luz sempre se intensificava, vibrante.


Absorto pelo movimento negro das sombras indefinidas que balançavam, dançando dentro do quarto ao som do vento lá fora, num zunido levemente assobiado, mal percebi quando minha mãe entrou no quarto através da porta entreaberta


- Tudo bem, querido? Você já viu quantas visitas? - Ela pronunciava as palavras espaçadas pelo receio das respostas, a cabeça meio baixa e a voz trêmula, com uma inquietação e movimentos sutis. Ela se aproximou e passou a mão cuidadosamente sobre meu cabelo, como que o ajeitando, acariciando na medida em que me penteava. Seus olhos ardiam. Simplesmente virou-se, dando as costas, e saiu dizendo: “Até logo, filho”. Eu nada disse. Estava entretido com o som do vento e o movimento das folhas lá fora com suas sombras aqui dentro.


Silêncio. Sem o movimento do vento voltei minha atenção novamente para os sapatos brilhantemente engraxados. “Porque eu estava deitado com eles?”. Minha mãe sempre reclamava quando eu me deitava na cama de sapatos, mas hoje ela nada disse. Nenhuma reclamação. Meus olhos ardiam, agora um pouco mais. Foi quando dois primos, por volta de cinco anos de idade, entraram correndo no quarto e pararam, um atrás do outro, rápidos, barulhentos, cheios de vida. Antes de olharem para mim, subitamente olharam para a janela quando o vento soprou com seu assobiar por sua brecha. 


Vocês não podem brincar aí!. - Eles olharam para mim e saíram correndo do quarto com o grito do meu pai ao corredor. Ouvi passos. Meu pai surgiu debaixo do portal da porta, encostado em uma das laterais. Ele apenas me olhou fixamente, fundo em meus olhos, desceu a vista e parou nos sapatos. Tive a impressão que chorava. Ele entrou, fechou a janela entreaberta, interrompendo o assobio do vento, e saiu.


Lá fora a árvore balançava com suas folhas mudas e o sol estava quase todo pousado sob o horizonte.


Olhei para as sombras que aos poucos desapareciam da parede quando vi outras negras se aproximarem pelo corredor. Todas vestidas de preto. Um choro conhecido meu, mas carregado de um pesar totalmente desconhecido, ecoava pelo corredor, era minha mãe, carregada por meu pai, que com as mãos e a razão segurava o choro que escorria pelo canto dos próprios olhos.


Todos eram familiares, muitos há tempo que não os via, seus olhos ardiam como o sol, movimentando-se como sombras, zunindo o assobio suave de um choro triste. Olhei para a janela e a última coisa que vi foram as folhas inertes, mudas e secas. 


Thomas Williams

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